A natureza mostra força contra a destruição humana

Ilhas irão sumir, as doenças tropicais irão aumentar e espécies serão extintas enquanto o mundo aguarda a boa vontade russa em assinar o Protocolo de Kyoto – principal arma contra o aquecimento global.

No pouco tempo em que o homem habita a terra ele foi capaz de criar aviões, carros, potentes indústrias, a internet, a escrita e chegar a lua. Tudo isso às custas do meio ambiente que cedeu toda a matéria-prima para as invenções humanas e, em troca, foi agredido mais do que por qualquer outro ser vivo de todos os tempos. Mas agora a natureza está entregando a conta e ameaçando tudo o que o homem criou e a principal resposta à destruição é o aquecimento global. Cerca de 160 mil pessoas morrem por ano de doenças como malária até subnutrição em conseqüência disto e o quadro pode ser ainda mais alarmante em 2020, quando este número poderá dobrar, alertaram no início do mês cientistas da Organização Mundial da saúde e da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres. O estudo realizado pelos especialistas mostra que as crianças de países em desenvolvimento parecem ser as mais vulneráveis.
Durante a Conferência Mundial de Mudanças Climáticas, em Moscou, o professor Andrew Haines, da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres, disse que as estimativas ainda não haviam sido publicadas e que a maioria das mortes são em países em desenvolvimento na África, América Latina e Sudoeste da Ásia. Estas regiões têm sido fortemente abalados por ondas de subnutrição, diarréia e malária causadas pelas temperaturas recordes, enchentes e secas. “O estudo sugere que as mudanças climáticas podem trazer alguns benefícios para a saúde, assim como diminuir as mortes relacionadas com o frio e aumentar a produção das colheitas nas zonas temperadas, mas em compensação os casos de outras doenças irão aumentar”, afirma o pesquisador.

Reviravoltas climáticas

As previsões para o futuro em um mundo com temperatura mais elevadas não são das melhores. “A mudança dos padrões de chuvas, ventos e circulações dos oceanos que acompanham a elevação das temperaturas podem levar, particularmente nos países em desenvolvimento, à redução da produção agrícola, aceleração da extinção das espécies, alteração no suprimento de água doce, maior número de ciclones, tempestades de chuva e neve fortes e mais freqüentes”, afirma Mário Monzoni, da entidade Amigos da Terra – Amazônia, no livro “Mudanças Climáticas – tomando posições”.

A publicação ainda faz um alerta com relação ao aumento do nível do mar, como conseqüência do derretimento acelerado das geleiras. “O Ártico já perdeu 6% de sua área entre 1978 e 1996, um ritmo quatro vezes maior que o registrado no século XIX. Nestes casos, os impactos poderão ser potencialmente irreversíveis”, lembra o autor. Em setembro deste ano, uma das maiores placas de gelo do Ártico rompeu-se em decorrência do aquecimento global. Depois de se manter sólida por três mil anos, a placa de gelo conhecida como Ward Hunt, que fica na costa norte da ilha de Ellesmere, no território canadense de Nunavut, partiu-se em duas. Hoje um rio de água doce corre pela rachadura em direção ao mar, segundo relatos de cientistas americanos e canadenses.
Uma das conseqüências disso será a possibilidade de inundação a médio ou longo prazo de países insulares e cidades situados em zonas costeiras que são os mais vulneráveis à mudança do clima. “Estima-se que cerca de 1 bilhão de pessoas vivem em áreas que podem ser diretamente impactadas (Bangladesh e Holanda, além de cidades como Boston e Nova York)”, destaca Monzoni.No último século a temperatura da Terra aumentou em 0,5 graus centígrados no último século e, se os níveis atuais de emissões forem mantidos, o aumento será cerca de 1 a 3,5 graus até o ano 2060, de acordo com o Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC) de 1996, publicado pela Universidade de Cambridge.Em 2002, uma densa e ampla nuvem de poluentes que se estendia do Japão ao Afeganistão perdurou na lista das grandes catástrofes ecológicas do mundo preparada pela Associação Americana para o Avanço da Ciência. A grande massa de ar de tonalidade marrom e que possuía 3 km de espessura resultava de emissões de gases produzidos por fábricas, usinas termelétricas e escapamentos dos automóveis.

Congresso Mundial de Mudanças Climáticas

No início de outubro de 2002, governadores, pesquisadores científicos, empresários e ambientalistas de todo o mundo estiveram reunidos em Moscou para discutir quais as ações que devem ser tomadas para reverter o processo de aquecimento global. De 29 de setembro a 3 de outubro de 2003, a capital russa foi sede da Conferência Mundial de Mudanças Climáticas. Entre os temas que foram abordados estão problemas gerais decorrentes das mudanças climáticas, como influência humana, o papel dos oceanos, atmosfera e superfície terrestre e os eventos extremos; os impactos ecológicos, sociais e econômicos do aquecimento global; saídas para resolver o problema das emissões de gases do efeito estufa; políticas de desenvolvimento sustentável; o futuro da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC); e a efetivação do Protocolo de Kyoto.A expectativa era que o governo russo anunciasse a ratificação do Protocolo de Kyoto durante o evento. Porém antes mesmo do seu início, fontes do alto escalão do Kremlin já avisavam que a Rússia não assinaria o acordo – passo necessário para trazer força ao pacto mundial – até ter garantias dos seus benefícios. “Nós precisamos receber garantias de que haverá distribuição de projetos ou de compras das nossas cotas. Estas garantias devem ser dadas pelas empresas estrangeiras e pelos países”, as fontes afirmaram.
Na abertura do evento, o presidente russo, Vladimir Putin, disse que ainda estava estudando o protocolo e que a decisão só seria tomada no fim do Congresso, levando-se em consideração os interesses nacionais da Rússia. Porém a Conferência terminou e a decisão foi postergada para 2004. Após o discurso de Putin, o secretário-geral da ONU, Kofi Annan pediu ao país que ratificasse Kyoto, afirmando que o pacto é o primeiro passo na luta contra o aquecimento global.

“Se as previsões estiverem certas, nossos filhos e netos não irão entender como permitimos que isso acontecesse”, declarou Annan. Já o recado vindo do secretário-executivo da Convenção Quadro de Mudanças Climáticas das Nações Unidas, Joke Waller-Hunter, que administra Kyoto, para Putin foi que ele deveria ser mais específico ao indicar qual será a data da ratificação.
Depois das críticas, Putin se levantou e advertiu improvisadamente que talvez o aumento de 2 a 3 graus nas temperaturas não amedrontem tanto os países do norte, e que, pelo contrário, talvez fosse algo bom. “Você terá que gastar menos dinheiro em casacos de pele e outras roupas quentes. Especialistas em agricultura dizem que nossa produção agrícola está aumentando e continuará crescendo. Graças a Deus”, Putin afirmou. Entretanto, ele disse ainda que a Rússia também terá que levar em conta os desagradáveis problemas climáticos de todo o mundo.
No início de setembro de 2003 o ministro de desenvolvimento econômico e de comércio da Rússia, Mukhamed Tsikanov, afirmou que dificilmente o país ratificaria o Protocolo de Kyoto neste ano, pois o país ainda tem muitas dúvidas sobre seu funcionamento na prática. O Protocolo é o primeiro acordo que prevê o uso de mecanismos de mercado para reduzir as emissões dos gases do efeito estufa. Com ele, os países capazes de retirar carbono da atmosfera além das cotas previstas poderão vender as cotas extras para outros países. Tsikanov ressaltou, porém; que o Protocolo só terá efeito econômico quando ficar claro como as cotas serão negociadas e como os projetos de cooperação internacionais serão organizados.

Dúvidas sobre o funcionamento de Kyoto

Observadores internacionais que participaram do Congresso ficaram surpresos com a atitude e têm dificuldades em interpretar quais são os reais motivos da Rússia para não ratificar o acordo.
As metas estabelecidas pelo Protocolo de Kyoto mostram que Vladimir Putin só tem a ganhar com sua entrada em vigor. O acordo obriga 39 países desenvolvidos a deixar, no período de 2008 a 2012, a emissão de dióxido de carbono e outros gases nocivos 5,2% menor do que o índice global registrado em 1990.
Como o setor industrial russo entrou em colapso depois de 1990, com a abertura política; hoje o país emite menos poluição do que a 13 anos atrás, já que reduziu o número de fábricas. Como conseqüência disso, a Rússia sairia ganhando com a ratificação, pois poderia negociar cotas extras de permissão para emitir poluentes.
“A Rússia pretende extrair o máximo de vantagem política ao ratificar o Protocolo”, afirmou na Rádio Eco de Moscou no primeiro dia da Conferência, o ambientalista Alexei Yablokov. Esta não é a primeira vez que o país mantém esta estratégia. O exemplo mais próximo é a crise do Iraque, quando as autoridades russas se opuseram a invasão ao país enquanto negociavam nos bastidores. A posição do secretário de defesa dos EUA, Donald Rumsfeld, que afirmou que “não seriam respeitados os interesses russos”, obrigou Moscou a manter a postura inicial.
A reação mais contundente contra a decisão da Rússia de adiar o pronunciamento sobre Kyoto veio de Paris. A ministra do meio ambiente da França, Roselyne Bachelot, entregou a Putin uma carta do presidente Jacques Chirac onde este expressava a “absoluta necessidade” da Rússia ratificar o Protocolo. Roselyne Bachelot afirmou durante a Conferência que a posição do presidente russo não significa uma mudança radical de sua postura.
A ministra atribuiu o pronunciamento de Putin a necessidade de convencer uma comunidade científica russa dividida sobre a questão e uma opinião pública que é menos sensível às questões ambientais que os países ocidentais. Participaram do evento cerca de duas mil pessoas, vindas de mais de 100 países. “A Rússia pode desempenhar um papel de liderança e contribuir para a solução do problema das alterações do clima, ou pode escolher ficar do lado de George W. Bush”, afirmou o consultor político do Greenpeace Steven Guilbeault.